Em José e Pilar (2010), a intenção do cineasta lusitano Miguel Gonçalves Mendes é mostrar o relacionamento de José Saramago com a jornalista espanhola Pilar Del Río. No entanto, a impressão mais forte que fica é o retrato do escritor, já "próximo da porta de saída", como ele mesmo, aos 84 anos, descreve seu momento de vida.
Com sua morte tão recente - foi em 18 de junho deste ano, aos 87 anos, que Saramago veio a falecer -, acompanhar o Nobel da Literatura nas telas até em cenas banais, como jogando Paciência no computador, dará um sentimento de saudade aos fãs. Em alguns momentos, até se esquece que aquele velhinho afável é o autor de obras tão controversas, que despertaram a ira de conservadores e católicos ao redor do mundo.
José e Pilar, que começou a ser rodado em 2006, acompanha o dia-a-dia de Saramago enquanto escreve A Viagem do Elefante e sua posterior turnê de lançamento. Ali tomamos conhecimento do suporte prestado por Pilar, que administra a agenda do autor, seus compromissos, cartas e convites para participar de solenidades. Chega a ser cômica a esnobada de Saramago a um convite do Dalai Lama, cujos assessores parecem ter esquecido a convicção de ateu e comunista do escritor.
No entanto, apesar de Pilar mostrar-se uma mulher extraordinária, de forte visão política e apresentar muita classe ao revidar os ataques da imprensa lusitana, que tenta retratá-la como a Yoko Ono da Península Ibérica, sua presença no filme é sempre secundária ao carisma de Saramago. É evidente a paixão do casal e talvez o José como o conhecemos não existiria se não fosse por Pilar, mas é apenas por causa do marido e das polêmicas que o relacionamento gerou que ela se torna merecedora de destaque - Pilar é 26 anos mais jovem que ele, acusada de roubar Saramago de sua pátria-mãe para viver nas Ilhas Canárias, entre outras pirraças dos portugueses.
Como narrativa, um dos principais méritos do filme é não se utilizar da linguagem tradicional do gênero documentário, mas ainda assim cumprir sua função. Não temos aqui entrevistados sentados em um cenário previamente preparado e trechos de notícia só são inseridos quando José e Pilar estão realmente assistindo a TV ou ouvindo rádio.
Assim, chegando ao fim do texto somos levados de volta ao primeiro parágrafo, para elaborar o ponto mais tocante desta história, que não é o amor de José e Pilar. São as reflexões sobre a finitude da vida, trazidas ao espectador pelas declarações de Saramago, que ficam após os créditos. E realmente, não deve haver tristeza e sentimento de impotência maior que "sentir, como perda irreparável, o findar de cada dia".
Crítica: Carina Toledo/Omelete
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