É impressionante o quanto um roteiro pode ser bem bolado. Corra, Lola, Corra é um filme alemão pouco tradicional de seu país de origem, fugindo totalmente do clássico e montando uma identidade própria toda especial através de uma inovadora narrativa que conta, por três vezes, a mesma história. Mas... Como assim? Eu vou ver 3 vezes a mesma coisa? Praticamente. E é aí que entra a genialidade do roteiro: ele brinca com as casualidades do dia-a-dia das pessoas, mostrando os mesmos fatos desse dia-a-dia se tivessem acontecido ou não, variando pelas histórias. Explicarei mais detalhadamente à frente.
Tudo bem, essa é a estrutura, mas qual a história? Lola (interpretada pela bela Franka Potente) é uma filhinha de um rico pai bancário, extravagante em seu modo de vestir e com um namorado, digamos, que se meteu em uma ‘pequena’ encrenca. Manni (interpretado por Moritz Bleibtreu) é o coletor de uma quadrilha de foras-da-lei e estava tendo o seu dia de sorte: carregava uma grande quantidade de dinheiro do bando para testarem sua confiança. Para ser mais exato, 100.000 marcos. Só que, para o seu azar, perdeu o dinheiro no trem da cidade, entrando em desespero e tendo que, em 20 minutos, recuperar todo o valor perdido. Desesperado, liga para sua namorada, que começa uma incansável corrida (corrida mesmo!) contra o tempo para tentar arrumar todo o dinheiro e seu namorado não ter de acertar as contas com a gangue com sua própria vida.
E é só! O filme é exatamente SÓ isso! Só que o modo como as histórias são contadas é que faz dele uma obra de arte genial, o modo como elas se entrelaçam. Como exemplo (é exemplo mesmo, não estou contando nada do filme, estou inventando só para citar como seria a estrutura do filme): imagine-se chegando em casa e vendo sua mulher beijando outro cara. Você desce com a maior raiva que já percorreu o seu corpo e escorrega em uma casca de banana na escada. E se você tivesse chegado mais tarde em casa, teria visto sua mulher com outro cara? E se você tivesse descido a escada mais cedo, teria escorregado na casca de banana? É exatamente isso. O que acontece em uma história complementa a outra, explica o que aconteceu nela. Vale citar que as 3 histórias não são idênticas, apenas muito parecidas, mas com acontecimentos variados (também parecidos) e finais diferentes, justamente para concluir o pensamento do ‘e se eu tivesse feito isso, e não aquilo?’.
Há a necessidade de se atentar a certos detalhes entre uma história e outra, pois como foi dito antes, elas se completam. Pense o por que Lola não sabia utilizar uma arma em uma história e, na outra, ela já destravou a arma... Pensou nisso antes? É tudo extremamente bem encaixado. A narrativa utiliza-se também, em certos momentos, de desenhos animados para ilustrar Lola correndo atrás de seu objetivo. A música eletrônica é constante e dá um ritmo que sincroniza perfeitamente com os cortes que estão sendo utilizados na tela. Aliás, algumas foram compostas pela própria Franka.
Já vi algumas pessoas dizerem ‘ah, mas que filme chato, tive que rever a mesma história sem graça três vezes’. Esse tipo de gente com certeza não entendeu que a importância aqui não era contar uma história longa (aí sim esse filme ficaria uma porcaria), e sim ligar os pontinhos soltos deixados por essa ‘história sem graça’, curtir como as decisões feitas hoje afetam o segundo seguinte. Enfim, é um filme um pouco mais profundo que o normal.
Corra, Lola, Corra ganhou alguns prêmios internacionais, como o de Melhor Filme Estrangeiro pelo Independent Spirit Awards, e é um excelente filme alternativo para se curtir. Tem 3 finais (todos ótimos), é preciso ser visto mais de uma vez para ser totalmente aproveitado, apesar de eu ter atentado que nem todas as pessoas curtem o seu modo de fazer cinema. Eu gostei muito, e desde já o considero como um dos novos clássicos do Cinema.
Crítica: Rodrigo Cunha/Cineplayers
Nenhum comentário:
Postar um comentário