quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Discurso do Rei

A temática do filme de superação nunca foi tão verbal como em O Discurso do Rei (The King's Speech, 2010). O drama, ambientado às portas da Segunda Guerra Mundial, trata da dificuldade de um líder em executar uma de suas necessidades fundamentais: falar em público.

Albert Frederick Arthur George (1895-1952), pai da atual rainha da Inglaterra, Elizabeth II, era o segundo na linha de sucessão do Rei George V (1865-1936), depois de seu irmão Edward (1894-1972). Por ser o caçula da Casa de Windsor, ninguém esperava que Albert assumisse o trono, o que aconteceu em 1936, quando o irmão, interessado muito mais em sua própria felicidade do que na do império britânico, abdicou. Mas o que faz um monarca quando, em um dos momentos mais dramáticos da história, é incapaz de transmitir suas ordens e dirigir-se ao povo sem gaguejar?


O problema do Rei George VI, até aqui pouco mais que um curioso rodapé histórico, vira figura central no filme de Tom Hooper, que já havia abordado um lado muito mais cinematográfico da monarquia britânica em Elizabeth.

Pelo tema sisudo e roteiro centrado em diálogos, O Discurso do Rei daria um filme classicista, não fosse o uso extremamente competente da linguagem cinematográfica para ajudar a contar as aflições do rei Albert. Hopper conta com a direção de fotografia de Danny Cohen, que enquadra seu protagonista (vivido por Colin Firth) sempre nos cantos, em planos frontais, mas que beiram milimetricamente o plongée (de cima para baixo). O desequilíbrio cria uma sensação de desconforto, evidenciando o sentimento de inadequação do monarca.

A câmera funciona igualmente bem para o outro lado da moeda, Lionel Logue (Geoffrey Rush), um inadequado de outro tipo - fonoaudiólogo nada ortodoxo que tem a tarefa de ensinar Albert a expressar-se com clareza. O embate de ideias (e educações) é fundamental ao filme e o trabalho de Cohen, que compreende também excelentes sequências de plano e contraplano - que desfrutam do citado desequilíbrio -, participa dele com voz firme.

Alheios a tudo isso e focados em suas próprias tarefas, Colin Firth e Geoffrey Rush executam seus trabalhos de maneira inspirada. O primeiro dá ao rei a inconstância física e dualidade que o papel exige. Na vida íntima, com a esposa e filhas, surge terno e fala com fluidez reservada. Quando precisa desempenhar seu papel como nobre, porém, mantém a dignidade e o porte, mas gagueja de maneira dolorosa de assistir. Fica ainda mais evidente a qualidade do trabalho de Firth quando o vemos durante longas cenas ao lado de Geoffrey Rush. Lionel é um papel menos exigente - e Rush um ator dotado de mais recursos (sua internalização na cena do ensaio da coroação na catedral é brilhante) -, o que poderia enterrar um trabalho menos competente. Se atuar é a arte de reagir, Firth e Rush engajam-se em suas reações como ninguém.

É também um alívio ver, depois de tantos Harry Potter e filmes de Tim Burton, Helena Bonham Carter deixando de lado suas pesonagens estridentes para dedicar-se a uma mulher normal. A atriz interpreta a esposa de Albert com interesse. O elo fraco é mesmo Timothy Spall. Ainda que excelente ator (basta vê-lo em Agora ou Nunca de Mike Leigh), ele dá um peso desnecessário às aparições de Winston Churchill. O inglês era, sim, uma figura que parecia saída de um desenho, mas Spall se entregou às caras e bocas na oportunidade de interpretá-lo. Ao menos sua participação é breve.

Hooper também é extremamente feliz na criação da atmosfera de ameaça vindoura da Segunda Guerra. O grande antagonista do filme é o microfone - o inimigo a ser tornado aliado -, mas o eloquente Adolf Hitler também faz rápida aparição. A cena em que o Rei Albert o observa discursando, franjinha em desalinho devido ao esforço teatral, é quase cômica. As proverbiais nuvens que prenunciam tempestades também surgem na forma de uma sequência na névoa distante, em que paciente e terapeuta brigam sob uma opressiva luz difusa.

Com o intuito de colher informações para escrever o filme, David Seidler, o octogenário roteirista de O Discurso do Rei, conta que procurou a Rainha Mãe, Elizabeth Bowes-Lyon (a viúva do Rei George VI, morta em 2002), algumas décadas depois dos fatos. "Por favor, não o faça enquanto eu estiver viva. A memória desses eventos ainda é muito dolorosa", ela escreveu de volta.

Dolorosa ou não, a história não poderia ter sido contada de maneira mais elegante em O Discurso do Rei.

Crítica: Érico Borgo/Omelete

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