domingo, 11 de dezembro de 2011

Frida

Frida,
de Julie Taymor

Frida, EUA, 2002

Podemos resumir toda a idéia e concepção cinematográfica de Frida em um único fato: a belíssima Salma Hayek interpretando, com pouquíssima maquiagem, a personagem título, notória e sabidamente manca, feia e dona de um vistoso buço. Caímos, desta forma, num clichê que rege a lógica de cine-biografias praticamente desde que Hollywood existe; a reinvenção de uma personagem real, de caráter muitas vezes controverso, conforme um ideal de torná-lo mais acessível ou palatável a platéias mais numerosas e pouco informadas.

E essa reinvenção se dá, no caso deste filme dirigido por Julie Taymor, pela apresentação de Frida Kahlo como uma mulher sofredora em detrimento de seu lado militante, de sua forte identidade bissexual, ou mesmo de sua criatividade artística. É certo que tais facetas não são completamente ignoradas, mas também são apresentadas apenas de forma tangencial. A maior parte do tempo de projeção é gasto com uma Frida de saúde frágil, devido ao grave acidente de bonde sofrido na adolescência, que acabaria por levá-la a longos períodos de cama, inúmeras cirurgias e cujas consequências, a longo prazo, acabaram por ser determinantes para sua morte aos 47 anos.

A narrativa de Frida é guiada, além dos problemas de saúde, pelo relacionamento de Frida com seu marido, o também pintor Diego Rivera (Alfred Molina), mostrado como um sátiro oportunista e de cabeça dura. A Frida do filme sofre tremendamente com as traições do marido, mas não é mostrado que ela teria tido uma vida sexual tão ou mais ativa quanto a dele, e, quando estes casos surgem, como por exemplo o envolvimento com Trotsky, tal teria se dado apenas quando seu casamento já se encontrasse extremamente deteriorado. Então, mais que uma mulher e artista de temperamento forte, temos uma espécie de mártir, idéia essa fortemente refletida pela imagem da Frida inconsciente, atravessada por uma barra de ferro e coberta de ouro, logo após o acidente de bonde, que parece remeter a uma pintura sacra.

Apesar de conduzido por Taymor, Frida, é um filme que tem a cara da produtora Miramax, com seu discutível padrão "cinema de qualidade para ganhar Oscar". Um roteiro cronológico e pouco inspirado, no qual um montão de gente (inclusive Walter Salles) meteu a mão, apoiado em competente reconstrução de época. Esta concebe um México de cores fortes, com base nas pinturas de Frida e Diego, mas este México, assim como a personagem, reflete uma idealização tão caricatural como o fato dos personagens mexicanos falarem inglês com sotaque. E a tão decantada trilha musical de Elliot Goldenthal faz realmente um bom aproveitamento da musicalidade local, mas, por vezes, parece extrapolar sua função de complemento à narrativa cinematográfica.

Para quebrar a monotonia e convencionalidade da narrativa, a diretora, em certos momentos, faz uso de animações inspiradas em obras da biografada, só que, exceto por aquelas que utilizam imagens do filme King Kong e impressionante ilustram a passagem do casal pelos Estados Unidos, tais inserções demonstram um impressionante mau gosto, alternando breguice e demostrações gratuitas de virtuosismo. E, mesmo com Salma Hayek dando o sangue e tentando superar suas limitações como atriz, Frida parece não justificar a intensa expectativa criada por um projeto de tão longa e conturbada concretização.

Gilberto Silva Jr.

Fonte: Revista Contracampo

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