quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Trainspotting - Sem Limites

Não há melhor descrição para o que Danny Boyle quis mostrar com Trainspotting do que o próprio prólogo que inaugura as fortes imagens deste filme rebelde. Deixemos o personagem com a palavra: "Escolha viver. Escolha um emprego. Escolha uma carreira, uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadora, carro, CD Player e abridor de latas elétrico. Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha viver. Mas por que eu iria querer isso? Escolhi não viver. Escolhi outra coisa. Os motivos? Não há motivos. Quem precisa de motivos quando tem heroína?”.

É com este discurso que Danny Boyle abre Trainspotting - Sem Limites, o mais completo e corajoso filme sobre sexo, drogas, rock'n'roll, juventude, magreza, polícia, violência, anarquismo, cultura pop, assalto, capitalismo e burguesia já feito no cinema. O argumento de Danny Boyle e do roteirista John Hodge foge do banal e perecível, não é falso moralista tampouco exercício de estilo superficial e corrosivo. Boyle e Hodge testam e atestam o comportamento de um viciado com propriedade, coragem e realismo extremamente assustador, personificando e consagrando personagens desagradáveis. A rigor, Boyle tratou de não julgar nada nem ninguém, apenas mostrou o que devia ser mostrado ao público. Não há, como detrataram os conservadores quando da época de lançamento do filme, glorificação do uso da heroína. Mas não pense que Trainspotting fica em cima do muro, pelo contrário, o filme quebras todas as barreiras.

Aqui sim vale lembrar de Fernando Meirelles, por ocasião de Cidade de Deus. Há muito na obra-prima de Meirelles em Trainspotting, principalmente na estética da montagem e da correria frenética dos personagens, que são diferentes em suas filosofias, mas assemelham-se na essência. O tratamento da edição é meticuloso, com dosagem de humor e violência na medida exata, pois na sequência de cada cena de humor há um contraponto violento e selvagem, o que acaba desconcertando o espectador, que fica sem saber para onde correr. E isso é o efeito da adrenalina de Trainspotting, o filme urgente mais impactante e coerente do new style boy. A montagem eficiente coloca o espectador dentro da ação dramática, que é um verdadeiro carrossel de emoções - entre cenas bem-humoradas e sequências de violência extrema, você vai ficar extasiado.

A temática é complexa, mas Boyle não se escondeu debaixo dos lençois da covardia e desnudou tudo - e mais um pouco. O esteriótipo do binômio pobreza/violência não está mais lá, foi substuído pelo imaginário coletivo social por drogas/violência, e Boyle utilizou sua a abordagem do roteiro trabalhando em cima desta ideia. O diretor pergunta como diminuir os apelos da cultura aditiva e da cultura de violência que caracterizam a sociedade atual, mas não responde nada, deixa reflexões para o espectador. Deve-se dizer, a rigor, que Trainspotting não é um filme fácil, apesar de ter uma história simples e objetiva. A teia de discussões proposta por Boyle e Hodge não se limita ao antagonismo literário, pois o argumento dos dois é uma legítima pérola. Em tempo, é justamente isso que diferencia escritores e operários das letras.

O elenco é formado por jovens futuros astros, como Ewan McGregor, hoje ator de primeiro time em Hollywood. Aliás, o ator escocês demonstra talento e virilidade ao descrever seu personagem, tornando ele interessante e desagradável, o que instiga a plateia a investiga-lo. Robert Carlyle, ator que já era um pouco mais calejado, também demonstra competência e trabalha com garra. Ewen Bremmer e Jonny Lee Miller (ótimo como Spud) completam o time, que ainda traz uma pequena (mas eficiente) Kelly Macdonald.

Boyle mostra muito do seu domínio sob a cultura pop (sim, há semelhanças com Tarantino, mas o projeto de cinema de ambos é diferente) e exercita sua veia musical à exaustão. A trilha, delirante e eclética, encaixa perfeitamente na história, que é alucinada e maluca. E Boyle também filosofa dizendo que ninguém entende os viciados, senão um deles. O diretor constrói personagens sujos e de pouca ou nula educação, quase a todo instante repugnantes, já que o diretor filma e atesta que as escolhas feitas e as atitudes tomadas por eles não poderão ser desfeitas. É o testamento de uma juventude transviada, que vive contra as regras da sociedade e não gosta de ninguém.

Fonte: Tudo [é] crítica 



Um comentário:

  1. Réquiem para um sonho tem uma temática bem parecida com TRainspotting e é excepcional!

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