Até pouco tempo não sabia o que era o Dogma, sua importância para o Cinema Dinamarquês e muito menos quais filmes faziam parte da lista do movimento. Antes de falar sobre o maravilhoso Festa de Família, é necessário dar uma pequena palhinha sobre o que é o Dogma e suas principais características, para saber um pouco mais do valor do filme e o entender de uma maneira melhor e mais profunda. E, acreditem, não é perda de tempo, é um dos melhores filmes já feitos na história do cinema.
Não é para qualquer um, esse é o primeiro lema que você deve seguir à risca. São temas delicados, trabalhados de forma mais dramática que o normal, favorecida pelas características do movimento. Algumas pessoas podem achar chato, mal feito, mas não é essa a preocupação dos filmes e seus realizadores, e sim fazer refletir, mergulhar o espectador em histórias delicadas e cheias de emoção. Ou seja, fazer cinema na denominação mais seca e crua.
O Dogma nasceu em 1995 com essa premissa simples e direta. Ele foi idealizado por 4 diretores (Lars von Trier, Thomas Vinterberg, Soren Krag-Jakobsen e Kristian Levring) e seguia uma série de normas que deveriam ser seguidas à risca pelos realizadores, tais como música somente se for ambiente, o diretor não deveria ser creditado, luz somente natural e etc, totalizando dez características (que não convém citar e explicar todas agora, isso fica para um especial depois). Isso explica muita coisa no aspecto técnico do filme, que alguns podem rejeitar só de olhar para a imagem, mas deu um complexo maior a tudo o que acontece no filme, tudo deve ser pensado, trabalhado para que suprisse essa falta de recursos.
Falando de Festa de Família em si, ele foi o primeiro filme a ser lançado no movimento, sendo conhecido, então, como “Dogme #1: Festen”. Saiu em 1998 e causou um rebuliço no mundo do cinema, onde as diversas pessoas, acostumadas a ver as evoluções tecnológicas um ano após o outro, levaram um tapa na cara com Festa de Família e todo o retrocesso proposital da fita. Thomas Vinterberg, o diretor que também assina em conjunto o roteiro com Mogens Rukov, saiu na frente, arriscando tudo e se expondo para toda a reação que essa nova onda poderia causar.
Alguns consideraram pretensioso demais, mas a verdade é que Festa de Família é muito mais do que uma revolução no cinema: a história é fantástica (será comentada mais a frente), o ar teatral pela falta de luz e músicas valorizou ainda mais as interpretações dos atores, que se superaram para trazer algo bastante convincente, os ângulos de câmera tiveram que ser bem mais pensados, os cortes eram ousados e davam um ritmo frenético às cenas mais intensas. Enfim, em termos de tecnologia realmente Festa de Família parece ser bem antigo. Agora em termos técnicos, mostrou ser superior a qualquer outro filme grande da atualidade.
A bela história é sobre uma festa de um grande homem de família, Helge (interpretado por Henning Moritzen), pai de 4 filhos, sendo que um faleceu recentemente. Ele completa 60 anos e aproveita a ocasião para reunir toda sua enorme família para uma comemoração. Aos poucos vamos conhecendo os personagens e suas personalidades. Primeiro, logo no começo do filme, somos apresentados a Christian (Ulrich Thomsen), o bonzinho e mais velho, no qual pega carona com seu irmão mais novo Michael (Thomas Bo Larsen) até a festa. Nessa cena também conhecemos a forte personalidade de Michael, já que, para levar o irmão, ele deixa a mulher e os três filhos para completarem o resto do percurso a pé. Isso mesmo, é o grosso da família. Christian é o orgulho, homem bem sucedido dono de 2 restaurantes na capital Francesa, enquanto Michael é a ovelha negra, o filho que todos tentam ajudar e nunca progride.
Durante a festa, diversos pontos delicados são abordados pelo diretor, tais como preconceito (Helene, irmã mais nova de Christian, e seu namorado negro), pedofilia (um dos principais casos do filme), traição (Michael e seu caso) e morte em família (a causa da morte de Linda, a irmã gêmea de Christian). É difícil se aprofundar na história sem que detalhes importantes não sejam revelados, mas é em torno desses polêmicos temas que o filme gira. A cada novo discurso durante o almoço / jantar, mais um motivo para preocupação familiar (e delírio de quem assiste ao filme). É incrível como tais revelações movimentam o filme, trocando identidades entre os personagens, fazendo com que o bom seja mau e o mau seja bom, mostrando toda a sujeira por trás desta grande família.
O filme é tão bem executado e foi tão bem preparado que a fotografia acabou tornando-se algo genial. As luzes naturais utilizadas a noite estão fantásticas, pois até uma cena no meio de uma floresta (o que uma floresta tem a ver com a festa? Assistam e comprovem) é perfeitamente aplicada, sem deixar o espectador confuso e muito menos perdido. A metáfora da sujeira na tela então, conforme mais revelações vão sendo feitas, é algo, no mínimo, fantástico. Infelizmente não pode agradar a todas por causa dessa falta de convencionalismo no qual foi produzido. A câmera, por exemplo, está sempre em movimento, nunca sendo usado um tripé para que a imagem fique fixa. A cada dramatização, mais movimentos são feitos, envolvendo quem assiste ainda mais. Tudo aqui tem que ser muito mais pensado.
Pretensioso ou não, Festa de Família já conseguiu conquistar o seu lugar na história do cinema. Tem um valor todo especial, por ter sido o primeiro e tendo agüentado todo o impacto das mudanças que foram estipuladas. É um filme feito muito mais do que ser curtido e emocionar, é uma lição de vida, é uma lição de superação pessoal. E, acredite, não é muito difícil encontrar pessoas que se enquadrem no mesmo tipo de situação.
Crítica: Cineplayers/Rodrigo Cunha
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