Após a cena pré-créditos de Os Descendentes (The Descendants) a tela fica toda preta e começa uma música. Com apenas algumas notas já sabemos que este é o filme indie que o Oscar vai adotar neste ano. A produção foi dirigida por Alexander Payne, que já havia acertado este mesmo alvo há alguns anos ao abrir algumas garrafas de vinho em Sideways. E, convenhamos, ter George Clooney no elenco obviamente não atrapalha. Aliás, o ator faz por merecer a sua indicação ao prêmio. A cena em que ele aparece correndo de chinelo pelas ruas da sua vizinhança é a antítese da corrida tecnicamente perfeita de um Tom Cruise e por si só já valeria a indicação à estatueta dourada.
No filme, Clooney interpreta Matt King, um dos descendentes do título. Ele e seus primos herdaram de seus ancestrais centenas de hectares de terras que um dia pertenceram à realeza havaiana. Mas enquanto a maioria deles não trabalha, vivendo apenas desta renda, Matt é um advogado e também o responsável legal por gerir tudo o que sobrou do espólio. Às vésperas de fechar um acordo imobiliário de meio bilhão de dólares, sua esposa sofre um acidente de barco e entra em coma. A situação leva Matt a se reaproximar de suas filhas e repensar seu passado e futuro.
Como nos diz Matt em sua primeira interação com o público, o filme também se presta a mostrar um Havaí diferente do paraíso dos resorts de luxo que sempre se vê nos filmes e séries, ou das disputas entre locais e "haoles", como eles chamam os estrangeiros. Existe também a interessante missão não declarada de mostrar ainda que, sim, todo mundo por lá usa camisa havaiana, mesmo em eventos sociais.
A forma praticamente invisível com que Payne comanda o longa-metragem quase nos faz esquecer que estamos no cinema. A trama, que já tem elementos fáceis de se encontra nos cotidianos de qualquer um, se desenrola também como a vida, deixando tudo muito fácil de degustar, até mesmo as partes mais amargas - que não são poucas. A relação pai-filhas do trio formado por Matt, Scottie (Amara Miller) e Alex (Shailene Woodley) leva do riso ao choro sem causar estranheza, nem parecer forçado. Afinal, qual menina de 10 anos não está perdida na sua passagem da infância para a puberdade, ou qual adolescente não quer curtir a vida de quase adulto que está ali na esquina, mas não tem paciência de esperar chegar lá?
Com tantas reflexões, o filme leva ao seu grande destino, o autodescobrimento. É na hora de pegar a filha mais nova na escola que o pai percebe que não existe na sua memória uma lembrança recente de ter feito isso em muito tempo. É ali no hospital, ao ver a mãe paralisada na cama do hospital, que a filha percebe o quanto é parecida com a mãe que ela se acostumou a destratar.
A forma como os fatos são apresentados - em meio a uma investigação particular - fazem o público também parar para pensar no seu próprio dia-a-dia, colocar em perspectiva o que fizeram até aqui e analisar o que vem pela frente. Fidelidade, dinheiro, paternidade, relacionamentos, sentimento de culpa, tudo isso é colocado em xeque de uma forma discreta, mas bastante eficaz. Por tudo isso, Os Descendentes é o queridinho indie do Oscar deste ano. E por méritos próprios.
Crítica: Marcelo Forlani/Omelete
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